domingo, 17 de setembro de 2017

ENCONTRO DO PAPA BENTO XVI COM O CLERO DE BOLZANO-BRESSANONE (ITÁLIA)



Em 6 de agosto de 2008, o papa Bento XVI participou de um encontro com  o clero de Bolzano- Bressanone, na Itália. Ele respondeu a diversas perguntas dos participantes, entre elas consideramos que estas duas são relevantes para o  estudo da importância do acervo  artístico e cultural  católico, uma relativa ao passado e outra que fala das preocupações do presente. Observemos que as duas respostas convergem para o seio da  Mãe Igreja que sustenta a humanidade com a Sabedoria e o Amor de Cristo Jesus.

Pe. Willibald Hopfgartner, O.F.M.

Santo Padre, chamo-me Willibald Hopfgartner, sou franciscano e trabalho na escola e em vários âmbitos de guia da Ordem. No seu Discurso de Regensburg, Vossa Santidade sublinhou o vínculo substancial entre o Espírito divino e a razão humana. Por outro lado, também sempre ressaltou a importância da arte e da beleza, da estética. Então, juntamente com o diálogo conceitual sobre Deus (na teologia), não deveria ser sempre de novo reiterada a experiência estética da fé no âmbito da Igreja, para o anúncio e a liturgia?


Santo Padre

Obrigado. Sim, penso que estas duas categorias caminham juntas: a razão, a exactidão, a honestidade da reflexão sobre a verdade e a beleza. Uma razão que de alguma forma quisesse despojar-se da beleza, ficaria reduzida a metade, seria uma razão obcecada. Só as duas categorias unidas formam o conjunto, e precisamente para a fé esta união é importante. 

A fé deve enfrentar continuamente os desafios do pensamento desta época, a fim de que ela não se pareça com um tipo de lenda irracional que nós conservamos viva, mas que seja verdadeiramente uma resposta às grandes interrogações; a fim de que não seja apenas hábito, mas verdade – como certa vez pôde dizer Tertuliano. São Pedro, na sua primeira Carta, tinha escrito aquela frase que os teólogos na Idade Média fizeram legitimamente sua, quase como um encargo para o seu trabalho teológico: "Estai sempre prontos a explicar a razão do sentido da vossa esperança" – apologia do logos da esperança, ou seja, a transformação do logos, da razão da esperança da apologia, numa resposta aos homens. Evidentemente, ele estava persuadido do facto de que a fé é logos, que ela é uma razão, uma luz que provém da Razão criadora, e não uma grande mistura, fruto do nosso pensamento. E eis por que motivo é universal, por isso pode ser comunicada a todos.

Mas precisamente este logos criador não é somente um logos técnico – voltaremos a falar sobre este aspecto com uma outra resposta – é amplo, é um logos que é amor e por conseguinte pode exprimir-se na beleza e no bem. E, na realidade, uma vez disse que para mim, a arte e os Santos constituem a maior apologia da nossa fé. Os argumentos apresentados pela razão são absolutamente importantes e irrenunciáveis, mas depois, sob certos aspectos permanece sempre a dissensão. 

Contudo, se contemplamos os Santos, este grande rasto luminoso com que Deus atravessou a história, vemos que ali verdadeiramente existe uma força do bem que resiste ao longo dos milénios, ali existe verdadeiramente a luz da luz. E do mesmo modo, se contemplamos as belezas criadas pela fé, eis que diria são simplesmente a prova viva da fé. Se olho esta bonita catedral, vejo que é um anúncio vivo! Ela mesma nos fala, e iniciando da beleza da catedral conseguimos anunciar visivelmente Deus, Cristo e todos os seus mistérios: aqui eles adquiriram forma e olham-nos. Todas as grandes obras de arte, as catedrais – as catedrais góticas e as maravilhosas igrejas barrocas – todas constituem um sinal luminoso de Deus e, portanto, são verdadeiramente uma manifestação, uma epifania de Deus. E no Cristianismo trata-se precisamente desta epifania: que Deus se tornou uma Epifania – oculta aparece e resplandece. 

Acabamos de ouvir o órgão em todo o seu esplendor, e na minha opinião a grande música que nasceu na Igreja consiste em tornar audível e perceptível a verdade da nossa fé: desde o gregoriano até à música das catedrais, e até Palestrina e à sua época, até Bach e portanto a Mozart e Bruckner, e assim por diante... Ouvindo todas estas obras – as Paixões de Bach, a sua Missa em Si bemol e as grandes composições espirituais da polifonia do século XVI, da escola vienense, de toda a música, inclusive daquela dos compositores menores – repentinamente sentimos: é verdade! Onde nascem realidades deste tipo existe a Verdade. 

Sem uma intuição que descubra o verdadeiro centro criativo do mundo, tal beleza não pode nascer. Por isso, penso que deveríamos fazer com que estas duas categorias permanecessem sempre juntas, levando-as unidas entre si. Quando, nesta nossa época, discutimos sobre a racionalidade da fé, debatemos precisamente sobre o facto de que a razão não termina onde se concluem as descobertas experimentais, pois ela não termina no positivismo; a teoria da evolução vê a verdade, mas vê somente metade da mesma: não vê que por detrás existe o Espírito da criação. 

Nós lutamos pela ampliação da razão e, portanto, por uma razão que, precisamente, esteja aberta também à beleza e não tenha que a deixar de lado, como algo totalmente diferente e irracional. A arte cristã é uma arte racional – pensemos na arte do gótico, ou então na grande música ou também, precisamente, na nossa arte barroca – mas constitui uma expressão artística de uma razão muito ampliada, na qual se encontram o coração e a razão. Eis a questão. Na minha opinião, esta é de certa maneira a prova da verdade do Cristianismo: coração e razão encontram-se, beleza e verdade tocam-se. E quanto mais nós conseguirmos viver na beleza da verdade, tanto mais a fé poderá voltar a ser criativa também no nosso tempo e a exprimir-se numa forma artística convincente.

Então, estimado Padre Hopfgartner, obrigado pela pergunta; procuremos fazer com que as duas categorias, a estética e a noética, permaneçam unidas, e que nesta grande amplidão se manifeste a integridade e a profundidade da nossa fé.


Pe. Karl Golser


Santo Padre! Chamo-me Karl Golser, sou professor de teologia moral aqui em Bressanone e inclusive director do Instituto para a justiça, a paz e a salvaguarda da criação; também sou cónego. Apraz-me recordar o período em que pude trabalhar com Vossa Santidade na Congregação para a Doutrina da Fé.

Como Vossa Santidade sabe, a Igreja católica forjou profundamente a história e a cultura do nosso país. No entanto, às vezes hoje temos a sensação de que, como Igreja, nos retiramos um pouco na sacristia. As declarações do magistério pontifício a respeito das grandes problemáticas sociais não encontram a justa correspondência a níveis de paróquias e de comunidades eclesiais.

Aqui no Alto Ádige, por exemplo, as autoridades e muitas associações chamam vigorosamente a atenção para os problemas ambientais, e de modo particular a respeito das mudanças climáticas: os principais temas são o derretimento das geleiras, os desabamentos na montanha, os problemas do custo da energia, o trânsito e a poluição atmosférica. São numerosas as iniciativas a favor da salvaguarda do meio ambiente.

No entanto, na consciência média dos nossos cristãos tudo isto tem muito pouco a ver com a fé. O que podemos fazer para incutir mais vigorosamente na vida das comunidades cristãs o sentido de responsabilidade em relação à criação? Como podemos chegar a ver cada vez mais unidas, a Criação e a Redenção? Como podemos viver de modo exemplar um estilo de vida cristão, que seja duradouro? E como podemos uni-lo a uma qualidade de vida, que seja atraente para todos os homens da nossa terra?


Santo Padre

Estou-lhe profundamente grato, estimado Professor Golser: sem dúvida, o senhor poderia responder muito melhor do que eu a tais questões, mas seja como for, procurarei dizer algo. 

Portanto, o senhor referiu-se ao Tema da Criação e da Redenção, e julgo que este vínculo inseparável deve receber muito relevo. Ao longo das últimas décadas, a doutrina da Criação tinha praticamente desaparecido na teologia, era quase imperceptível. Agora damo-nos conta dos prejuízos que daqui derivam. O Redentor é o Criador, e se nós não anunciarmos Deus nesta sua grandeza total – de Criador e de Redentor – tiraremos valor também da Redenção. 

Com efeito, se Deus nada tem a dizer na Criação, se é simplesmente relegado a um âmbito da história, como pode realmente compreender toda a nossa vida? Como poderá trazer verdadeiramente a salvação para o homem na sua integridade e para o mundo na sua totalidade? Eis por que motivo para mim, a renovação da doutrina da Criação e uma nova compreensão da inseparabilidade entre Criação e Redenção reveste uma grandíssima importância. 

Temos que reconhecer mais uma vez: Ele é o Creator Spiritus, a Razão que está no princípio e da qual tudo nasce e da qual a nossa razão não é senão uma centelha. E é Ele, o próprio Criador, que também entrou na história e pode entrar na história e agir no seu interior precisamente porque Ele é o Deus da totalidade e não unicamente de uma parte. Se reconhecermos isto, daqui derivará obviamente que a Redenção, o facto de sermos cristãos, simplesmente a fé cristã hão-de significar sempre e de qualquer maneira também responsabilidade em relação à Criação. 

Há vinte-trinta anos acusavam-se os cristãos – não sei se esta acusação ainda é mantida – de serem os verdadeiros responsáveis pela destruição da Criação, porque a palavra contida no Génesis – "Dominai a terra" – teria levado àquela arrogância em relação à criação, cujas consequências hoje em dia podemos experimentar. Na minha opinião, temos que aprender novamente a compreender esta acusação em toda a sua falsidade: enquanto a terra era considerada criação de Deus, a tarefa de "dominá-la" nunca fora compreendida como um mandato de a tornar escrava, mas sobretudo como tarefa de ser guardiães dos dons da criação e de os desenvolver; de colaborarmos, nós mesmos, de modo activo para a obra de Deus, para a evolução que Ele inseriu no mundo, de tal maneira que as dádivas da criação sejam valorizadas e não espezinhadas nem destruídas.

Se observamos aquilo que nasceu ao redor dos mosteiros, como naqueles lugares nasceram e ainda continuam a nascer pequenos paraísos, oásis da criação, torna-se evidente que tudo isto não são só palavras, mas onde a Palavra do Criador foi compreendida de uma maneira correcta, onde houve vida com o Criador Redentor, ali houve compromisso em vista de salvar a criação, e não de a destruir. 

Deste contexto faz parte também o capítulo 8 da Carta aos Romanos, onde se afirma que a criação sofre e geme devido à submissão em que se encontra e que espera a revelação dos filhos de Deus: sentir-se-á livre, quando vierem criaturas, homens que são filhos de Deus e que a tratarem a partir de Deus. Julgo que é precisamente isto que nós, hoje em dia, podemos constatar como realidade: a criação geme – vemo-lo, quase que o sentimos – e espera pessoas humanas que a considerem a partir de Deus. 

O consumo brutal da criação começa lá onde Deus não está, onde a matéria já é somente material para nós, onde nós mesmos somos a última instância, onde o conjunto é simplesmente nossa propriedade e onde o consumimos somente para nós mesmos. E o desperdício da criação começa onde já não reconhecemos qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos; tem início lá onde já não existe qualquer dimensão da vida acima da morte, onde nesta vida temos que nos apoderar de tudo e possuir a vida na máxima intensidade possível, onde temos que possuir tudo aquilo que é possível possuir.

Portanto, julgo que instâncias verdadeiras e eficazes contra o desperdício e a destruição da criação podem ser realizadas e desenvolvidas, compreendidas e vividas somente lá onde a criação é considerada a partir de Deus; onde a vida é considerada a partir de Deus e tem maiores dimensões – na responsabilidade diante de Deus – e um dia nos será plenamente concedida por Deus e jamais tirada: se doarmos a vida, nós haveremos de recebê-la.


Assim, penso, temos que tentar com todos os meios de que dispomos, apresentar a fé em público, especialmente lá onde já existe alguma sensibilidade no que se lhe refere. E julgo que a sensação de que o mundo talvez esteja a sair do nosso controle – porque nós mesmos o expulsamos – e o facto de nos sentirmos oprimidos pelos problemas da criação, é precisamente isto que nos oferece a ocasião adequada em que a nossa fé pode falar publicamente, e pode fazer-se valer como uma instância propositiva. 

Efectivamente, não se trata apenas de encontrar técnicas que previnam os prejuízos, embora seja importante encontrar energias alternativas. No entanto, tudo isto não será suficiente, se nós mesmos não encontrarmos um novo estilo de vida, uma disciplina feita também de renúncias, uma disciplina do reconhecimento do próximo, a quem a criação pertence tanto quanto a nós, que podemos dispor da mesma mais facilmente; uma disciplina da responsabilidade em relação ao futuro dos outros e do nosso próprio futuro, porque se trata da responsabilidade diante Daquele que é o nosso Juiz e, enquanto Juiz, é Redentor, mas por isso também verdadeiramente nosso Juiz. 

Por conseguinte, penso que é necessário unir de qualquer maneira estas duas dimensões – Criação e Redenção, vida terrena e vida eterna, responsabilidade em relação à criação e responsabilidade a propósito dos outros e do futuro – e que a nossa tarefa consista em intervir assim, de maneira clara e decidida, na opinião pública. 

Para sermos ouvidos, temos que demonstrar contemporaneamente mediante o nosso próprio exemplo, com o nosso próprio estilo de vida, que estamos a falar de uma mensagem em que nós próprios acreditamos e segundo o qual é possível viver. E queremos pedir ao Senhor que ajude todos nós a viver a fé, a responsabilidade da fé, de tal maneira que o nosso estilo de vida consiga tornar-se testemunho e, em seguida, a falar de tal forma que as nossas palavras apresentem de modo credível a fé como orientação nesta nossa época.
 ( Cópia  fiel da tradução do site do Vaticano)

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